Reportagem do G1 mostra três histórias de pessoas contaminadas pelo coronavírus e que têm em comum o uso de medicamentos sem comprovação científica para o tratamento da Covid-19

Um idoso que, em dois dias, piorou e precisou de oxigênio. Uma família inteira infectada, e só a mãe sobreviveu. Um homem que passou o Natal com os pais, mesmo contaminado, e morreu dias depois.

Estas são três histórias de pessoas que foram contaminadas recentemente pelo coronavírus em Belo Horizonte. Elas têm em comum o uso de medicamentos sem comprovação científica para o tratamento da Covid-19 ou como tentativa de prevenir contra o vírus.

O G1 ouviu dois médicos infectologistas que estão atuando desde março na linha de frente do combate à pandemia em BH, e que trouxeram esses relatos.

Paciente ficou surpreso com diagnóstico

O médico Guilherme Lima, que atua no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital Eduardo de Menezes, referência no atendimento de infectados em Belo Horizonte, contou que atendeu um paciente que, antes mesmo de apresentar sintomas da Covid-19, fazia uso de medicamentos como cloroquina, ivermectina e azitromicina, para o “tratamento precoce” ao vírus.

Esse paciente se contaminou e precisou de oxigênio para sobreviver.

“Fui atendê-lo pela primeira vez depois que ele já estava no 5º dia de sintomas. A família fazia uso de medicamentos antes e durante o diagnóstico de coronavírus. No oitavo dia, o paciente foi internado com desidratação e pneumonia, ele precisou de oxigênio e ficou uma semana no hospital. É uma prova de que medicamento não tem eficácia comprovada na prevenção nem no tratamento da doença”, disse Guilherme.

O médico contou que o paciente ficou surpreso com o diagnóstico positivo para coronavírus, mas ao mesmo tempo, disse que tomava o remédio porque “mal não ia fazer”.

Família inteira contaminada

O infectologista relembrou também de um atendimento a toda uma família que estava contaminada pelo coronavírus. Segundo o médico, todos eles usaram cloroquina durante o tratamento. Apenas a mãe sobreviveu.

“Tive oportunidades de cuidar de famílias inteiras que tiveram adoecidas que viajaram, se reuniram em festas, pessoas que argumentavam contra a prevenção que é realmente eficaz, como o distanciamento, uso de máscara, e argumentavam a favor do medicamento. Chegaram a falar, mesmo adoentadas, que não se cuidavam porque tomavam os remédios e que eles protegiam elas”, contou.

Nesse caso específico, segundo o médico, o pai e filho morreram.

“Só sobrou a mãe, só a matriarca sobreviveu. Não foram um ou dois casos que atendi iguais a estes, foram vários. Eles acreditavam que a medicação os protegiam e muitas pessoas morreram neste contexto, famílias inteiras morrendo”, lamentou o médico.

‘Maioria que vai para UTI fez uso de medicamento’

O infectologista e presidente da Sociedade Mineira de Infectologia de Minas Gerais, Estevão Urbano, também contou ao G1 que a maioria dos pacientes que ele atende em hospitais faz o uso de algum medicamento sem comprovação acreditando que combateria a doença.

“Vários pacientes que chegam em hospital já graves, maioria deles, em algum momento, fez a utilização de terapia precoce, sejaivermectina ou cloroquina, é muito mais comum que a gente acredita. A maioria dos pacientes que vão para UTI fizeram uso de medicamento.”

O infectologista, que também é membro do Comitê de Enfrentamento à Covid-19 de BH, contou que atendeu um paciente que passou o Natal com febre, sentindo dores pelo corpo, e só no dia 31 de dezembro procurou ajuda médica, com sintomas já avançados.

Ele fazia uso de três medicamentos intercalados. O homem morreu dias depois.

“Um homem de alto nível socioeconômico de BH, que começou com sintomas antes do Natal, não queria procurar o hospital pois confiava na ‘terapia precoce’ com o uso de cloroquina, ivermectina e doxiciclina. Ele fez questão de viajar com a família e encontrar com os pais idosos na festa de Natal, mesmo com diagnóstico confirmado para coronavírus. Ele se refutou a procurar ajuda médica, pois fazia uso dos medicamentos e acreditava neles”, contou Estevão.

“O atendimento foi de imediato. Ele estava com a saturação de oxigênio muito baixa e foi imediatamente entubado. Foi de casa para o tubo. Já estava numa fase avançada. Ficou por 10 dias entubado lutando para viver, mas infelizmente morreu”, contou ele.

Estevão alertou ainda que o grande perigo do tratamento precoce é esse: procurar atendimento depois que as condições “são inaceitáveis e críticas”.

“Infelizmente o paciente pagou com a vida por não ter procurado assistência médica”, disse ele.

Estudos sobre medicamentos contra a Covid

Em novembro de 2020, um estudo brasileiro mostrou que pacientes que tomam cloroquina há anos têm o mesmo risco de desenvolver a Covid-19 do que aqueles que nunca tomaram. Participaram cerca de 400 estudantes de medicina e quase 10 mil voluntários espalhados por 20 centros do Brasil.

Antes disso, outras pesquisas já haviam mostrado a ineficácia das substâncias para prevenção e tratamento da infecção pelo coronavírus. A revista científica “Nature”, uma das mais renomadas do mundo, publicou dois estudos que apontaram que a cloroquina e a hidroxicloroquina não são úteis contra a Covid-19.

Em 16 de julho de 2020, outra revista, a “Annals of Internal Medicine”, mostrou que a administração de hidroxicloroquina em pacientes com quadro leve de Covid-19 também não se mostrou eficaz.

Em outubro, a Organização Mundial da Saúde divulgou seus próprios resultados: mais de 30 países envolvidos em um estudo com mais de 11,2 mil participantes.

No artigo, os cientistas afirmaram que quatro antivirais utilizados contra a Covid-19 são ineficazes: remdesivir, hidroxicloroquina, lopinavir/ritonavir (combinação) e interferon beta-1a.

Fonte: G1

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 






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