Via Jornal da USP
Uma catástrofe se aproxima, mas ainda podemos evitá-la. É desta forma que o Observatório Covid-19 BR, grupo que reúne 85 pesquisadores associados a 28 instituições nacionais e internacionais, entre elas USP, Unesp, Unicamp, Fiocruz, UFABC, Universidade de Berkeley e Universidade da Califórnia, intitula a nota técnica divulgada no dia 3 de março sobre o crescimento do número de casos de covid-19 no Brasil.

O número de casos, hospitalizações e óbitos devidos à Covid-19 no Brasil tem crescido de forma alarmante desde meados de fevereiro, atingindo presentemente marcas nunca antes alcançadas, levando-nos à beira do colapso no sistema hospitalar.

As causas da atual situação são múltiplas. A explosão de casos que vemos hoje, porém, não é completamente passível de explicação sem que se considere o papel do surgimento e da disseminação de ao menos uma nova variante viral muito mais transmissível do que as que já circulavam antes no País.

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Uma variante mais transmissível acelera a epidemia e gera a necessidade de medidas de saúde pública mais firmes e restritivas. Termos chegado a esta situação foi, sem dúvida, devido à falta de senso de urgência dos governantes, de compromisso com a vida como prioridade e, sobretudo, à inexistência de ações e de coordenação do governo federal visando a mitigar a epidemia. Agora é a hora de mudarmos isso e evitarmos uma catástrofe ainda maior.

A primeira medida a ser tomada é a adoção de um lockdown estrito, com fechamento de estabelecimentos não essenciais e limites à circulação das pessoas, com o propósito de evitar novos contágios. O lockdown estrito compreende a abertura somente daqueles serviços realmente essenciais, tais como mercados, farmácias e locais de atenção à saúde. Sabemos o custo imediato disso, mas não há outra maneira de se evitar o colapso hospitalar generalizado, que gera desespero e mortes, além de efeitos devastadores para a economia.

A duração deste lockdown deve ser melhor estudada em cada região, mas deverá durar, no mínimo, 14 dias. Já a urgência de instituí-lo é imediata. Somente poderemos abandonar esta medida restritiva quando os índices de casos e mortes atingirem patamares muito mais baixos que os atuais

Os impactos de tal lockdown para a população necessitam ser mitigados por um novo auxílio emergencial sem condicionalidades, que precisa ser urgentemente aprovado pelo Congresso Nacional. O valor do auxílio, tendo em vista a situação de emergência do País, deve estar alinhado com as necessidades da população de fazer frente à sua subsistência. Também é necessário que o auxílio não seja extinto antes de resolvido o problema agudo de saúde pública.

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Um plano de restrições à mobilidade como aqui apontamos, junto com as demais intervenções não farmacológicas, precisa delinear uma estratégia de retomada progressiva das atividades cotidianas, tão logo a situação da pandemia – agora catastrófica – apresente melhora expressiva.

Tem-se visto, em vários países no mundo, o sucesso de estratégias de testagem, quarentena e rastreio de contactantes, que abriria um caminho alternativo ao lockdown. No Brasil, tais estratégias não foram implementadas, mesmo após mais de um ano de pandemia, com exceção de alguns poucos municípios. Estamos atrasados e isso tem que mudar imediatamente, com mais atenção e investimentos em todas as esferas de governo.

É também fundamental acelerar o ritmo de vacinação no País, para que ocorra uma queda na incidência de casos graves e mortes, como em diversos países que estão com melhores coberturas vacinais. O Brasil tem o Sistema Único de Saúde (SUS) e seu Programa Nacional de Imunizações (PNI) que dispõe de estrutura de serviços de saúde e expertise em campanhas de vacinação que podem rapidamente ampliar as coberturas vacinais, mediante disponibilidade de vacinas.

O governo federal brasileiro abandonou os esforços de coordenação quanto à mitigação da epidemia. Neste momento, somos uma constelação de 27 unidades federativas sem políticas coerentes e sem centralidade, muitas com estruturas assistenciais à beira de um colapso. É preciso que se busque algum tipo de concertação para dar efetividade às medidas que são, repetimos, imperativas. As políticas adotadas até aqui, limitadas a gerenciar leitos hospitalares, se mostraram absolutamente incapazes de controlar a disseminação do vírus, nos levando à crise atual.

Sem nenhuma estratégia de contenção da epidemia, o Brasil tornou-se terreno fértil para a emergência de novas variantes de Sars-Cov-2 e sua propagação, ameaçando não apenas o País, mas todo o mundo. A intensa circulação do vírus no Brasil possibilita o surgimento de novas mutações de preocupação. A ameaça global em que se transformou o Brasil coloca o País em risco de isolamento internacional não apenas por meio do fechamento de fronteiras, mas também pela possível imposição de sanções. As consequências disso para o País, para a economia, para suas relações futuras com o resto do mundo poderão ser severas.

• A adoção imediata de um lockdown estrito, com a abertura somente de serviços essenciais, e restrições severas à circulação de pessoas em todo o país. Para manutenção dos serviços essenciais há que se oferecer condições seguras para o deslocamento dos trabalhadores e para a realização de suas atividades.

• A aprovação imediata de um auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 (refletindo o custo da cesta básica) até, no mínimo, que os indicadores da epidemia tenham se reduzido para possibilitar a reabertura da economia.

• A ampliação maciça da campanha de vacinação, com a compra de doses de vacinas, tanto importando de outros fabricantes, quanto dando maior apoio à produção nacional.

• Testagem com agilidade de todos os casos suspeitos e seus contatos, e acompanhamento de contactantes.

O tempo da pandemia, agora, tem que ser medido em dias e horas, não mais em semanas e meses. O compromisso com a vida exige isso do Brasil, dos seus governantes e de cada um de nós. O senso de máxima urgência se impõe nesta hora em que a vida dos brasileiros está em risco.

Jornal da USP    / Créditos da imagem:Fotomontagem Moisés Dorado sobre imagens Cecília Bastos/USP Imagens e Flickr

 

 

 






Ter saber é ter saúde.